São todos iguais. Não, não estou falando de namorados ciumentos, de mães que reclamam das nossas bagunças, de avós que ainda acham que você é um bebê. Estou falando de quem dança. Então, deixa eu me corrigir. Bailarinos são todos iguais. 

 Hoje, quando vi, ela estava chorando. Mais cedo, tinha reclamado de um dor no pé, mas continuou. Fez a aula, fez pirueta, disfarçou a dor, ouviu palavras
desagradáveis de quem não sabia o que está acontecendo, mas continuou. 



É o verbo que define nós bailarinos: continuar. Uma dor aparece, continuamos. O médico manda parar por algumas, mas queremos é continuar. Enfim, paramos, mas depois continuamos. Temporadas difíceis surgem e continuamos. Algumas coreografias não se encaixam no nosso corpo, reclamamos, reclamamos, mas o jeito é continuar continuando. Já no palco, esquecemos um passo e damos um jeito de continuar. Continuar tentando. Continuar descobrindo. Continuar repetindo. E foi quando eu a vi chorando, em silêncio, com o peso do medo em cada músculo do rosto, que por um momento lembrei das minhas dores. Acredito até que senti algum tipo de dor mim. É impossível ficar imune a esse tipo de situação. Só quem precisa do pé, do joelho, das costas , dos músculos em bom estado pra trabalhar, sabe como é. E a melhora, a nossa melhora, a melhora de um amigo é um grande recompensa.


Hoje, muitas adormecidas, outras mortas de tanto anti-inflamatório, gelo, água quente, promessa, lágrimas de desespero, teimosia, descanso médico obrigado pelo meu pais, creme fitoterápico da minha avó, sal grosso quente, massagem, fé, pensamento positivo, sorte, persistência, carinho do seu professor,o que for. Lembrei de quando rompi o ligamento do pé três dias antes de dançar e um médico maluco de emergência falou: engessa até o joelho. Pronto, falou o que não devia. Lembro que meu choro começou e só parou no outro dia no consultório de outro ortopedista, que não me engessou inteira e teve dó da minha insistência me ajudando a me imobilizar o pé pra conseguir dançar. Lembrei de quando meus joelhos começaram a doer e o médico falou que era uma inflamação de nível médio e que eu precisaria de exercício localizado pra fortalecer músculo tal, tal e tal, sessões de fisioterapia e tinha que evitar a dobrar o joelho, fazer flexões, pular, alongar... Me conta agora, como eu vou evitar isso fazendo balé clássico, minha gente? Não dá e não parei. Fiz todo o resto que ele mandou, da musculação à fisioterapia, mas no fim do dia, estava lá ensaiando e continuando. 


É isso. O tempo passa e nossa vida vira uma coreografia que ganha uma música nova, um sentimento novo, um personagem novo, uma rotina nova, uma dor nova, a cada espetáculo, a cada temporada, a cada ano, a cada escolha que fizemos. E no fim, quando as cortinas se fecham, o público vai embora, as luzes se apagam, o palco é limpo, a programação de ensaios é tirada da parede, nós continuamos. Com a emoção, com as lembranças, com os figurinos, com as dores, com os amigos, com a expectativa do novo e da próxima vez. 

-isabelle cristhinne

Comentários

Anônimo disse…
Isabelleee...tem twitter? Adoraria manter contato contigo. Teus textos são otimos, tuas ideias também. Parabéns. @plocnilýploc
Será um prazer te seguir.
Sara Morais disse…
O sonho da minha vida é o balé. Confesso que há momentos em que penso em desistir, mas é isso o que você falou: Continuar é a sina de qualquer bailarino. Continuarei.
Duvido até que você precisa que eu diga mas, muito lindo texto!

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