muro do fim do mundo

Dulce tirou seu corpo ainda lento de sono e foi ver o sol. Não, Dulce sempre preferiu um contato mais íntimo. O sol é tão tímido que usa o que tem de mais vistoso para impedir que curiosos o encarem de frente. Dulce não queria ter seus olhos de curiosa queimados pela fúria de um estrela em chamas. Dulce preferia andar sobre o sol, encostar nas paredes onde o sol fazia suas sombras, sentir o sol deixar sua cabeça quente.

Descalça, sentiu a quentura dos grãos de areia do terreno fazer cócegas nos seus pés. Foi andando, chutando pedrinhas e pulando sobre formigueiros, que mais pareciam buracos cheios de vírgulas. O fim do quintal era para Dulce como o fim do mundo. Nos dias que aparentemente não aconteciam nada, Dulce se aventurava pelo quintal até o fim do mundo. O chão quente a fazia ficar levantando os pés num ritmo que só aumentava. Dulce corria, atravessava os gigantes obstáculos de tijolos que seu pai construía. Na verdade, não eram obstáculos, eram apenas tijolos amontoados. Mas, para Dulce, imaginar tantas barreirinhas como simples amontoados de tijolos era deixar muito fácil seu caminho até o fim do mundo.

No meio do caminho, tinha pedras, muitas pedras. Dulce, no começo, chutava as pedrinhas, mas do meio para o fim, era como se elas não incomodassem mais. Vou te confessar algo, mas prometa-me nunca contar para as pedras do quintal. Promete? Seria para elas uma notícia tão alegre, que, tenho quase certeza de que as pedras iriam se juntar para aprontar alguma com a nossa menina. Dulce, do meio para o fim, não chutava mais as pedrinhas por que seus dedos já estavam sensíveis e vermelhos e mais uma pedrinha, seria como ter uma coleção de feridas nos dedos.

Imagina se as pedras sabem de uma coisa dessas! Iriam se jogar por cima dos pés de Dulce, até arrancar toda a pele, só para ele aprender que pedras também sentem dor quando são chutadas.

Não, não contem nada. Estou confiando em vocês. Uma revelação dessa solta no mundo faria do caminho do fim do mundo, uma ida até o hospital de dedos feridos e esse texto seria não sobre Dulce e, sim, sobre a revolta das pedras. E, digo, quando pedras se revoltam, nem você que está apenas lendo, fica ileso.

Dulce achou o fim do mundo. Viu seu amigo, o Dugald, parado e sem pressa no canto. Sim, Dulgald era um pequeno jacaré, pequeno mesmo, que mais parecia um calango, que ficava no pé do muro o dia todo. Viu mais vírgulas - ou formigas - andando em fila pela parede.

Até que a mãe de Dulce gritou: -Dulce, volte! Venha se calçar e tirar esse pijama! Ah e o café já está na mesa, menina! Vamos, venha logo!

Será que está escrito em algum lugar que os adultos precisam acabar com todo e qualquer ambiente de imaginação de uma criança? Será, também, que os adultos não sabem que quando se vai ao fim do mundo não importa como se está vestido, nem se está com fome ou não?

Dulce voltou, pulando mais que sapo fugindo do sal. Seu pijama estava todo sujo de areia e tinha algumas vírgulas - ou formigas - escondidas nas dobras.

Dulce pegou uma folha de limão, andando mais um pouco uma folha de siriguela e quase chegando em casa, uma folha de mangueira. Vocês sabiam que o gosto da folha de limão tem o mesmo gosto de um limão? Que o gosto da folha de siriguela tem o mesmo gosto que um siriguela? E o mais incrível, que o gosto da folha de uma mangueira tem o mesmo gosto que uma manga?!

Se você não sabia e nem tem um pé de limão cheio de folhas por perto, dou as minhas palavras. Eu mesma já provei todas essas e digo: as de siriguela são as melhores. Já, Dulce, prefere as folhinhas de limão.
Bem, Dulce chegou em casa. Agora, não tenho mais nada para contar.
Até.

Comentários

Luana S. Santos disse…
Ai flor adorei, de verdade, essaiagiação ilimitada que as crianças tem, e que nós as vezes depois de alguns centimetros a mais esquecemos de pratica-la

adorei..

bjs
Camila Paier disse…
Olá flor! Hahahaha então, você visitava o Calmila quietinha é? Adoreei que comentaste! Fico tão feliz..Acho que é o que ainda me faz continuar! Te sigo por aqui.
Mil beijos

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