Na verdade, nunca pensei que uma barata pudesse morrer ao invés de ser morta. Tenho um certo e escandaloso pavor de insetos. Não de todos os insetos, só de alguns, melhor, de quase todos. No entanto, mesmo tendo esse desespero por animais pequenos, ontem, após refletir, comecei a sentir algo bom por eles. Estava deitada na rede, quando uma borboleta cinza pousou na parede. Ela tinha várias paredes e vários lugares para pousar, mas decidiu ficar na minha frente. Era como se não quisesse morrer sozinha. Ela grudou no alto da parede e lá ficou. Se fosse uma borboleta comum, teria ido me esconder em algum lugar onde não fosse possível entrar animais voadores. Mas não fiz isso e continuei deitada na rede, olhando aflita para aquele bicho de asas.

Aproveitando que o assunto é borboleta, vou me explicar. Quem já presenciou uma borboleta se aproximando de mim, sabe do meu poder de fuga. Quantas vezes já saí correndo por causa que uma borboleta metida ousou ficar no mesmo ambiente que eu. Minha mãe diz que meu anjo da guarda é em forma de borboleta; diz que as borboletas ficam perto de mim por proteção; que enquanto tiver esse medo sem fundamento, elas sempre estarão por perto. Ao saber disso, imagino que as borboletas são as minhas babás McPhee.

Não tenho medo das borboletas em si, tenho pavor das asas delas. Nunca vi uma dragão voador, mas tenho quase certeza de que o pânico que sinto ao ver uma borboleta voando é o mesmo que sentiria se visse um dragão voador. A minha antipatia por essas coisas voadoras me faz uma pessoa mais atenciosa. Como? Sou capaz de perceber a presença de uma borboleta pelo barulho que é produzido pelo bater contínuo de suas asas. Só de imaginar que uma borboleta pode, algum dia, pousar em mim, já fico angustiada e com desritmia ou arritmia (ambas tem o mesmo significado) cardíaca. Então, para garantir a saúde do meu coração prefiro ficar longe dela. Se o motivo é insuficiente, lá vai outro. Para não morrer, fico longe de borboletas!

Voltando ao dia de ontem. Durante o tempo que a borboleta ficou parada na minha frente, não tirei os olhos dela. Se olhar queimasse, a coitada já tinha virado pó. De súbito, aquele frágil animal caiu no chão e lá ficou. Bateu pela última vez suas asas e morreu. Presenciei uma morte natural. Juro que não fiz nada, nem, ao menos, gritei. Depois de vivenciar isso, tive coragem de me aproximar de uma borboleta. Não porque ela estava morta e não ia mais bater asas, mas pelo fato de que, alguns segundos atrás, ela tinha vida. Levantei da rede, me aproximei, cheguei mais perto, cheguei muito perto e encostei um dedo em suas asas imóveis. Ela não me devorou, nem arrancou um pedaço do meu dedo. Bati uma foto dela. É uma foto triste, por mais que seja de uma borboleta morta. Acho que morreu sem sentir dor. Antes de falecer, voou a casa inteira me seguindo e sua última queda foi no monte de areia. Voltei para rede e comecei a pensar. Para onde vão as borboletas mortas? São simplesmente comidas pelas formigas? A sua morte represente o seu fim total? Se todos os animais, incluindo os seres vivos, evoluiram de uma mesma espécie, considerar que uma borboleta tem alma é considerar que os humanos, também, têm? A morte é a libertação da alma da prisão do corpo? Nunca, nunca pensei que uma borboleta fosse me fazer um ser pensante. Borboletas são incríveis, mas continuo com medo delas.

Meu anjo da guarda, se você for mesmo em forma de borboleta, faça -me o favor de ficar parado, sem bater as asas, quando estiver perto de mim. Fazendo isso, nossa relação será pacífica e silenciosa e você, ainda, evita de levar uma chinelada. Quer uma dica? Se não for pedir muito, aparece em forma de cachorro de vez em quando. Cara, você não tem noção como seria incrível a nossa amizade, principalmente, se você gostar de ser abraçado. O Zorro, meu quase cachorro, ganha muitos abraços. Mas, após esse diálogo, nossa relação irá melhorar, num é? Só não me peça para lhe abraçar fisicamente. No pensamento, tudo bem.

Tudo isso me fez recordar de uma prosa de Vínicius de Moraes. Ele vivencia uma situação parecida, mas só que é com um passarinho. E o mais importante: Vinícius não tinha medo de pássaros, pelo menos, não que ele tenha me dito.

"Um dia, passeando nos terrenos de um castelo inglês cerca de Oxford – era uma tarde dourada de folhas de outono – ouvi no ar um estranho grito, um som agudo e horrível, entre espasmo e canto. Olhei para cima e vi um passarinho cumprir, num derradeiro estertor de vida, sua última parábola ascendente. Ele subiu até onde pôde e depois caiu a prumo, quase aos meus pés. Peguei-o. Suas plumas foram ainda por algum tempo doces e quentes na minha mão em concha."


Comentários

Aline disse…
nossa...eu tenho apvor de coisas voantes...tb tremo só de pensar que uma borboleta possa um dia vir a pousar em mim...coisa estranha né? Mas enfim...nunca presenciei a morte natural de uma delas...e acredito que assim como n´so humanos, as borboletas tb tenham uma alma...por menor que seja...e essa alma deve ir pra um céu de borboletas (?)

interessante pensar sobre a morte delas...

beijokinhas queridaaaaaaaaaa
Caio Timbó disse…
Minha Nossa Senhora! Mas será possivel?! Borboletas me encantam, mas nunca parei para pensar por esse lado. Normalmente Quando vejo uma borboleta perto de mim costumo ficar parado esperando ela pousar na minha mão(O que raramente acontece, pois elas teimam em ir para o meu peito ou ombro).
e para onde vão os relacionamentos mortos?

beijos

ps.
gostei do layout novo.
Anônimo disse…
adorei o layout novo e o texto também! escrita fácil, fluida. e profunda em sua simplicidade. gosto de borboletas na teoria, em imagens. tenho aflição de insetos, asas, antenas, patas e afins...
=) já adorei a sua mãe! que forma será a do meu anjo da guarda?
"z" disse…
acho borboletas lindas, mas admitirei também tenho medo delas, adorei o texto, e li o de Vínicius de Moraes, muito bom. Nunca tinha vindo em minha cabeça que os insetos podem morrer naturalmente, nunca prestei muita atenção nisso.

beijos, adoro o seu blog!
Aline disse…
Muito legal o texto. Divertido.
Também tenho pavor do "bater de asas" das borboletas e fico alerta e percebo a danada nos lugares mais impossíveis!
Beijos

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