Carta para o meu avô

, muitas vezes, tenho pensado como seria se o senhor aparecesse de repente na porta do meu quarto, no dia do meu aniversário ,com o cabelo arrumado que nem o da foto 3x4 que tenho guardada e me abraçasse pela primeira vez. , como o senhor me chamaria? Será que o senhor inventaria um apelido só pra mim e que nenhuma outra neta no mundo tivesse?
Vô, um dia desses, sonhei que não podia me mexer. Era o senhor que estava me abraçando, num era? Confessa, vô, deixa de suspense. Por que não deixou eu o abraçar, também? Por acaso, vô, o senhor acha que eu tenho medo de fantasmas? Até tenho, mas do seu fantasma eu não tenho, não. Quando era criança tinha a fita do Gasparzinho, é, vô, o fantasminha camarada. Já assistiu?
Vô, será que o senhor me reconheceria, mesmo nunca tendo me visto? Será que o senhor reconheceria meu pai? Ele não mudou muito. Quando o senhor o viu pela última vez, ele era muito pequeno. Agora ele está grande, vô, que nem o senhor naquela foto encostado em um caminhão todo posista. Ele é a sua cara, tem a boca fininha que nem a sua.
Vô, o senhor não morreu. Apenas seu corpo que deixou de respirar, seu cerébro deixou de pensar e seu sangue deixou de correr. Hoje, vô, as pessoas podem trocar de coração, acredita? Recebem sangue de outra pessoa e conseguem respirar por aparelhos. O senhor não morreu, porque eu ainda não lhe esqueci. O senhor leu o Chapéu ontem, quando disse que a morte só acontece realmente quando a última pessoa a lembrar de nós vai embora? Vô! O senhor ainda vai viver por muito tempo! Vou contar o pouco que sei sobre o senhor para os meus filhos.
Vô, já imaginou um dia ter bisnetos? Quando o seu primeiro bisneto nascer, lhe mandarei outra carta. Todos os seus netos estão bem, tem um que até tem o seu nome. E seus dois filhos já têm até fios brancos na cabeça!
Vô, agora já vou.
Qualquer coisa, o senhor liga.
O senhor não tem celular, num é?
Tá! Aparece nos meus sonhos.
Beijo.

Comentários

Iago Barreto disse…
Texto surpreendente. Sem palavras pra esse texto, é de fato impressionante o quanto seu avô ainda é vivo na sua memória, mesmo não o tendo conhecido.
É como se ele morasse do teu lado, na tua casa, no comodo vizinho (senti isso). Mas vai além, ele mora n o coração de uma neta que nunca o esqueceu, e que seu coração aquece só de lembrar.
Vale ressaltar essa parte, sensacional: ''O senhor leu o Chapéu ontem, quando disse que a morte só acontece realmente quando a última pessoa a lembrar de nós vai embora?''. Você aí criou um contexto, trabalhando dentro do contexto que já havia criado anteriormente, isso é realmente surpreendente.
Anônimo disse…
Nunca tive vontade de chorar lendo um blog!
Lindo o texto, me vi nele, aliás, vi meu avô em sua foto tbm encostado no caminhão!
Mas acho que a diferença é que eu o conheci, e ele estava com a gnt há tempos atrás...
Que saudade que me deu!

Parabéns, viu?
Adorei!

Beijo
Aline disse…
Nossa...chorei lendo sua carta...lembrei do meu vô...infelizmente ele agora só aparece nos meus sonhos tb...e é tão dificil de ele aparecer...=/

beijinhos tortos pra vc tb

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