Leonardo, os gibis e as etiquetas.


Parte I

Leonardo acordou quando a noite já estava chegando. Da janela do seu quarto viu as últimas pinceladas amarelas no céu e decidiu se levantar daquela cama. Segunda era o único dia da semana que Leo podia fazer o que quiser, desde acordar tarde a não sair do quarto. Na semana, Leonardo tinha que ir ajudar o seu Pai a vender pipoca, sucos, algodão doce e chocolate quente, na praça e na calçada do cinema. Ele e o Pai acordavam cedo e saiam para comprar o que iriam precisar. Iam andando até a Rua das Vendas. Era uma caminho longo, mas iam conversando e seu pai sempre contava algumas histórias. Na volta para casa, com algumas sacolas nas mãos, seu pai contava o final das histórias. Leo gostava tanto das invenções de seu pai que nem sentia o peso das compras.
A Mãe preparava o chocolate e os sucos; Leo ficava colocando pedaços de algodão doce em saquinhos e o Pai limpava o carrinho, as garrafas e a panela das pipocas. Mas era segunda e Leo não queria saber de algodão doce. Ele sentia cheiro de pipoca em todo lugar; parecia que pedaços muito pequenos de pipocas escapuliram da panela e foram parar dentro do seu nariz. Se perguntassem: Leo qual o seu perfume?

-Perfume de pipoca e às vezes, quando a pipoca acaba logo, algodão doce.
Leo procurava grãos de açucar pelos braços, assanhava os cabelos, mas nem sinal de açucar. Só o cheiro de açucar, açucar, açucar e pipoca!
Levantou, tomou banho e foi na cozinha mexer nos salgadinhos de sua Mãe. Quando ela via Leo nardo entrando na cozinha, já dizia:
-Ei, você! Esses salgadinhos estão contados! A Sra. Fulana já vem buscar!
-Só um mãe, estou com fome!

E saia correndo da cozinha com mais de um salgado escondido nos bolsos. A Mãe sabia dos roubos do filho e sempre fazia salgadinhos reservas e escondia. Ia até as bandejas e contava tudo mais uma vez. E pra piorar, Leo tirava um salgadinho e espalhava os outros, tampando os buracos!

-Ah, esse menino!

Parte II
Leonardo saia pra dar uma volta. Na sua rua não tinha muitas crianças. Só duas irmãs e elas não gostavam de brincar com ele. A diversão de Leo era um banca de revista que tinha algumas ruas depois da sua. A banca era de Seu Antônio e ele deixava Leo ficar lendo os gibis. Foi assim que Leo aprendeu a ler. Seu Tonton, como era chamado, ensinou o pequeno a ler e depois a escrever. Ele passava horas sentado atrás da bancada, lendo e perguntando pro Seu Tonton o significado das palavras estranhas.
Leo foi cortando caminho até chegar a banca, mas a encontrou fechada. A banca nunca fechava, só muito tarde da noite quando não havia mais ninguém querendo ler. Foi até a porta para verificar se Seu Tonton não estava por lá. Não estava mesmo. Leo voltou pra casa.
-Amanhã eu venho. Ele deve estar doente.
Na terça, Leo pediu para o seu pai para ir na banca antes de ir para a praça.
-Vá, mas não demore! Temos muita pipoca pra fazer.
Leonardo saiu correndo e quando avistou a banca aberta correu mais ainda. Só que não encontrou Seu Tonton. Lá estava uma mulher muito séria sentada numa cadeira e lendo o jornal. Cumprimentou a mulher e perguntou:

-Onde está Seu Antônio?
-Não está mais aqui.

Preferiu ficar calado diante de tanta rispidez. A banca estava toda diferente. Os gibis já não estavam mais no lugar de antes. Procurou, sem perguntar. Quando achou, Leo ficou sem palavras. Os gibis estavam com etiquetas prendendo as páginas. Ele não podia lê-los. Se pedisse, seu pai lhe compraria um gibi, dois até, mas Leo queria ler todos, ver todos, muitas e muitas vezes. Caiu uma lágrima do rosto pequeno de Leonardo. O que faria agora?
Leo saiu da banca de cabeça baixa e com a tristeza estampada no rosto sem sorriso e nos olhos com lágrimas. Foi caminhando tão devagar quanto uma tartaruga velha e sem compromisso. Quando já estava dobrando a esquina, a senhora da banca gritou:

-Ei, garoto, venha cá. Como é seu nome?
-Meu nome? Leo. Leonardo.
-Venha cá, agora. Tenho algo para você.
Seu Tonton, antes de ir embora, colocou em uma caixa de papelão a sua coleção de gibise e pediu para a mulher entregá-la para um menino chamado Leonardo, baixo e assanhado. Só haveria um assim. E assim ela fez. Leonardo ficou tão feliz que abraçou a mulher com tanta força que ela reclamou. Saiu da banca carregando a pesada caixa. O que mais queria era chegar em casa e ler, ler todos, mil vezes.
Quando estava dobrando a esquina, a mulher gritou novamente:

-Ei, garoto! Venha quando quiser. Para você eu tiro as etiquetas. Só não me peça para ler para você!
-Eu já sei ler, senhora!

E assim aconteceu.

Comentários

Visita?

http://thingsofthegirlnextdoor.blogspot.com/

obg, bju
Bruno.Salazar disse…
isso ficou muito bom! ^^
muuito muito bom! Gosto de histórias que falam sobre livros ou leituras em geral. Ler sobre alguém que está lendo.
Érica Ferro disse…
Que legal, cara!
Adorei a estorinha. *-*

E o que será que aconteceu com o senhor Tonton?

Feeeeeliz ano novo!
Muito bom ter lido seus belos textos nesse ano, Isabelle.
Que venha 2010!

Beijo.
Malu Azzoni disse…
Passei pra desejar um ótimo Ano Novo, já que gosto muuito daqui!

Um beijo!
Caio Timbó disse…
Adorei essa historia!
Pena o seu Tonton ter morrido

Feliz Ano Novo!
Breve Leonardo disse…
Não resisto a partilhar, Amiga Isabelle, uma mensagem “urgente” que a Amiga Rejane me enviou; partilhá-la é o mínimo que posso fazer, possa ou não ser “prematura”, tamanha declaração:

“Depois de uma séria e cautelosa consideração, gostaria de notificar a renovação do nosso CONTRATO DE AMIZADE, para o ano de 2010 e seguintes…

“Nunca desvalorize ninguém…
Coloque cada pessoa perto do seu coração
Porque um dia você pode acordar
E perceber que perdeu um diamante
Enquanto estava muito ocupado a coleccionar pedras”

[Mande este abraço para todos os que você não quer perder em 2010, adverte-me a Amiga Rejane: é meu dever, minha tão grande obrigação…]

Um imenso abraço

Leonardo B.

Um imenso carinho, com tudo o que a vida conte, incondicionalmente

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